Quando o Rap fala, o mundo escuta: das favelas ao topo dos eventos e decisões globais
Frutos e heranças da história e das lutas das populações negras e periféricas, o rap e o hip-hop hoje avançam e conquistam novos territórios, representando as populações marginalizadas, dando voz aos excluídos e opinando criticamente em temas e debates universais.

É a voz do povo periférico, favelado, negro, indígena, multiétnico, diverso, antes esquecido pelas políticas globais e que hoje ocupa todos os espaços de discussão, legitimando realidades, apresentando demandas, rompendo barreiras e defendendo a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
O rap e o hip-hop falam em nome de comunidades negras, povos originários, territórios em guerra, comunidade LGBTQIA+, das mulheres. Defendem pleitos e causas em Câmaras Legislativas, Estaduais e Nacionais, e até mesmo em presidências globais, como nos Estados Unidos da América (EUA) e também no Brasil.
E este movimento alça voos cada vez maiores, chegando a territórios antes desconhecidos e negados, conquistando o que é seu por direito, sem pedir favor nem autorização a ninguém, com força, legitimidade, ancestralidade, originalidade e muita moral.
É a voz dos marginalizados, dos escravizados e ex-escravizados, dos discriminados, dos oprimidos. Uma ponte entre mundos e realidades distintas, antagônicas, antes divididas por muros, grades, cercas eletrificadas, vigilância eletrônica.
Hoje, os muros estão coloridos por grafites. As casas de shows e os estádios estão lotados. As praças públicas, pistas de skate e as escolas estão sendo palco para batalhas de rima, apresentações musicais e de dança.
E o ritmo musical antes julgado e criticado toca alto em condomínios de luxo, nos fones de ouvido de moradores de áreas nobres, em residências familiares, salas de aula, nos morros, favelas, até mesmo em trilhas sonoras de comerciais, novelas, eventos esportivos e programações televisivas.
O rap é, afinal, uma vitória social, uma conquista e um legado humano para todas as gerações, rumo ao estrelato e à eternidade.
O rap, o samba, o funk, o trap: Das favelas às grandes passarelas e palcos do mundo
Assim como o samba, o rap, o funk e o trap surgiram nas favelas e hoje ocupam o devido espaço nas grandes mídias e em todas as sociedades.
Em um passado recente e nos últimos dias, observamos esses gêneros aparecendo constantemente nas mídias tradicionais, derrubando preconceitos, representando a voz das periferias, interferindo nas decisões e debates políticos, em conteúdos das programações televisivas, como novelas, propagandas, eventos esportivos, políticos e culturais, e até mesmo em campanhas políticas e debates presidenciais.
Kendrick Lamar se apresenta no intervalo do SuperBowl e o rapper French Montana, em apresentação na abertura do Mundial de Clubes da FIFA - Fotos: Getty Images
Na abertura do SuperBowl, maior evento esportivo do mundo, realizado nos Estados Unidos, o rapper Kendrick Lamar performou o hit “Not Like Us” no intervalo, entoando o canto de uma multidão e alcançando mais de 133 milhões de pessoas em todo o planeta.
Recentemente, na abertura dos jogos mundiais interclubes da FIFA, testemunhamos a força e influência do rap e da cultura hip-hop durante as apresentações do rapper norte-americano Swae Lee e do marroquino French Montana.
Além disso, em 2014, no mesmo evento, o rapper cubano-americano Pitbull, em parceria com o produtor musical RedOne, vencedor de diversos Grammys e Executivo de Entretenimento Criativo da FIFA, apresentou uma releitura da icônica música "We Will Rock You", da banda Queen.
Snoop Dogg carregando a tocha olímpica durante as Olimpíadas de Paris, na França - Foto: Getty Images
E nos Jogos Olímpicos (Olimpíadas), em 2024, não foi diferente, com o rapper Snoop Dogg (referência e ícone histórico do rap) carregando a tocha olímpica e atuando como apresentador em um canal estrangeiro de notícias.
No Brasil, o lendário rapper Mano Brown, do grupo Racionais MC’s, publicou em seu podcast Mano a Mano uma entrevista com o presidente Luís Inácio Lula da Silva abordando diversos temas de interesse e relevância pública.
Mano Brown, assim como outras estrelas e personalidades dos gêneros musicais surgidos nas favelas, como KL Jay, Xis, MC Hariel, Kayblack, MD Chefe e MC Cabelinho, entre outros, também foram convidados por grandes marcas como RayBan, Lacoste, MTV, TV Band e até mesmo a Rede Globo para apresentarem linhas de óculos, roupas, programas televisivos, atuarem e autorizarem o uso de suas músicas como trilha sonora em novelas.
Mano Brown entrevista o presidente Lula em seu Podcast Mano a Mano - Foto: Roberto Stuckert Jr.
Além disso, muitos rappers e artistas, incluindo na lista a lenda Tupac Amaru Shakur, Ice Cube, MV Bill, Seu Jorge, entre outros, já atuaram em filmes e seriados de TV, como Juice, Cidade de Deus, Straight Outra Compton, Boys N The Hood, Falcão, Meninos do Tráfico. E a lista não para por aí, reafirmando as potencialidades da união, a força coletiva, o poder do conceito de música periférica e a materialização da excelência negra (O termo "excelência negra" refere-se à celebração e reconhecimento das conquistas, habilidades e realizações excepcionais de pessoas negras em diversas áreas, combatendo estereótipos e padrões negativos associados a esta comunidade).
Projetos de Lei valorizam e reconhecem a importância da cultura periférica para formação e conscientização
Na esfera cultural, social e política, vemos projetos de lei que fomentam a cultura nas favelas, morros, subúrbios, periferias, valorizando a diversidade étnica e de gênero, transformando o rap, o samba, o funk, o hip-hop e suas ramificações em patrimônios locais e universais, estimulando e projetando a evolução humana, da consciência e do pensamento crítico, salvando e resgatando diversas vidas.
Exemplos disso são o Projeto de Lei (PL) nº 1816/2025, apresentado na Câmara dos Deputados (Esfera Federal) e que reconhece o impacto do hip-hop na transformação da sociedade, buscando criar políticas públicas para fortalecer o movimento.
Outra proposição, o Projeto de Lei n° 5660/2023, apresentado na mesma Casa Legislativa, institui o Dia Nacional do Hip-Hop e a Semana de Valorização da Cultura Hip-Hop.
Fora outras propostas apresentadas a âmbito local e estadual, como o PL nº 3.998, da Câmara Legislativa de Contagem, no estado de Minas Gerais (MG), que cria a semana do Hip-Hop na cidade, com proposta de modificação através do PL nº 63/2025, e outros projetos apresentados em estados como São Paulo (SP), Bahia (BA), Paraná (PR) e no Distrito Federal (DF) em prol do fortalecimento e valorização da cultura.
Assim como o samba o fez em um passado recente, o rap, o funk e a cultura hip-hop hoje ocupam as praças públicas, espaços esportivos, grandes teatros, programas televisivos, casas de shows e áreas nobres antes inacessíveis e negadas às populações negras, indígenas, periféricas.
Vida longa e eterna ao movimento, em busca de uma sociedade mais justa, harmônica e igualitária!
Cleber Negão - Jornalista
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