Brasília comemora 65 anos sem o RAP das quebradas
Apesar de ausência nas comemorações oficiais, o hip hop segue pulsando no DF

A Esplanada dos Ministérios lotada, palco montado, drones sobrevoando, Wesley Safadão e Léo Santana puxando a multidão. Tudo isso para celebrar os 65 anos de Brasília. Uma festa grande, bem produzida — mas que, mais uma vez, esqueceu de uma parte essencial da identidade dessa cidade: a periferia.
Sim, Brasília tem mais de 3 milhões de habitantes e é muito mais do que o Plano Piloto, o Eixo Monumental ou os ministérios. Ceilândia, Samambaia, Planaltina, São Sebastião, Itapoã, Paranoá têm terra fértil de onde brotam, todos os dias, a batida pesada e a rima afiada das quebradas. O rap do DF não é modinha: é história, é denúncia, é arte! “É rap nacional”, canta GOG.
E não falta gente pra contar essa história. Hungria, Tribo da Periferia, Viela 17, GOG, Câmbio Negro, Cirurgia Moral… Nomes que representam não só o DF, mas o Brasil inteiro. E uma nova geração vem firme: Afroragga, Ritual Sonoro, Ravena do Carmo, Pleno, Sorte, Marina Mara e muitos outros artistas locais. Estão nas batalhas de rima, nos estúdios caseiros, nos shows de rua — e nas plataformas, onde acumulam milhões de plays.
E olha que, desde 2023, o hip hop é reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Distrito Federal, pela Lei nº 7.274. Mas o estilo que sempre enfrentou o racismo e as desigualdades precisa mais do que reconhecimento: merece investimento.
Por que uma capital que se orgulha de sua diversidade, que carrega o título de "capital de todos os brasileiros", não abre espaço para a cultura de rua? Como explicar que num evento que custou R$ 15 milhões aos cofres públicos, lotou hotéis e movimentou a economia local, não houve sequer um palco para a arte periférica brasileira?
A verdade é que a cultura periférica ainda precisa brigar por espaço. Mesmo com os avanços na legislação, a luta continua sendo árdua. Brasília, que foi referência no rock dos anos 80, é, desde os anos 90, um dos centros mais importantes do hip hop no país — ainda segue sem representatividade musical urbana nas festas oficiais patrocinadas pelo governo. E aqui vale lembrar que até banda de pagode do DF, como Menos é Mais, teve seu espaço nas comemorações dos 65 anos.
Isso precisa mudar. Por que, sim, o apagamento da cultura de periferia e da cultura black também é uma forma de racismo e devaneios como esses não podem ser por acaso.
A cultura black persiste. E resiste.
Camila Piacesi, jornalista
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